Verde em vez de cinzas
Em janeiro, quando apenas a Amazônia parecia ameaçada pelo fogo, líderes mundiais se reuniram em Davos, nos gelados Alpes suíços, para o tradicional encontro promovido pelo Fórum Econômico Mundial. Para quem olha de fora, o Fórum pode parecer um convescote mais ou menos inofensivo entre empresas, ativistas e políticos. Muito blablablá, pouca ação. Um olhar atento e informado, porém, compreende que Davos funciona como um farol. Sinaliza para onde aponta a proa do planeta. Esse norte costuma se cristalizar nos famosos relatórios que a entidade produz a cada encontro. O principal deles, no começo do ano, listou as cinco maiores ameaças à economia mundial. Quatro delas eram de natureza climático-ambiental.
O mundo realmente está preocupado com o que estamos fazendo com a nossa casa. Estudo recente do Nobel de Economia Oliver Hart, professor em Harvard, mostra o avanço das exigências dos fundos de investimento para que empresas tenham metas socioambientais e não somente econômico-financeiras. Em 2019, segundo Hart, US$ 20,6 bilhões fluíram para fundos de investimento que se desfizeram de organizações tidas como “não sustentáveis”. Uma década atrás, essa quantia era dez vezes menor.
A palavra sustentabilidade deixou de ser exclusiva do discurso de ativistas. Virou um ativo de mercado. Empresas e governos discutem como produzir riqueza de forma sustentável, respeitando a natureza e o homem. Consumidores cada vez mais enxergam valor em produtos verdes e se mostram dispostos a pagar mais por isso. Uma mudança está em marcha e o Brasil dá perigosos sinais ao mundo de ir na contramão dela.
A Amazônia foi parar no primeiro debate presidencial entre Trump e Biden. O acordo comercial negociado por longos anos entre Mercosul e o Mercado Comum Europeu corre risco de virar fumaça ou ser adiado. Alemanha e França já disseram que não vão fazer negócio com um país que calcina as suas florestas. Pode-se argumentar que franceses e alemães usam a questão ambiental brasileira para camuflar um objetivo mercantil: dinamitar o acordo com o Mercosul e assim proteger os seus agricultores e outros interesses comerciais. Não deixa também de ser verdade. Mas, enquanto as autoridades não perceberem que preservação ambiental se transformou num valor primordial no tabuleiro dos negócios, o Brasil vai colher desconfiança e, pior, isolamento. O que é péssimo para um país que precisa atrair investimentos estrangeiros.
Já se disse que, mais do que um agente transformador, a pandemia foi um formidável acelerador de tendências. É o que explica a campanha entusiasmada do Fórum Mundial pelo Great Reset. A ideia é redesenhar o mundo pós-pandemia incentivando as nações a adotarem formas de produzir mais sustentáveis, mais inclusivas, menos consumistas. O jeito tradicional nos trouxe até aqui e o cenário é de esgotamento.
A proposta pode parecer um tanto utópica, mas a verdade é que caminhos alternativos começam a ser trilhados. Para muitos analistas, o mundo pós-Covid deve, por exemplo, acelerar o fenômeno do reshoring, ou a volta das empresas aos seus territórios de origem. O que deve afetar as famosas cadeias globais de valor. O fenômeno é uma contraposição ao offshoring, quando, anos atrás, muitas companhias deixaram os países ricos em direção aos emergentes – principalmente os do sudoeste asiático – como forma de baratear os custos de produção. O reshoring não significa apenas recuperar postos de trabalho que haviam migrado. Tem a ver com uma lógica mais sustentável. Ao aproximar a produção do mercado consumidor, o custo do frete diminui, a economia local se movimenta, e as empresas podem acompanhar de perto cada etapa da produção e assim ter maior controle das relações de trabalho e das regras de proteção ambiental.
Outra tendência pode até ser chamada de velha conhecida: a economia circular. Nela o objetivo é diminuir a intensidade de utilização de matérias primas e de energia, apostando na redução, reutilização e na reciclagem. É também uma maneira de enxergar a economia a partir de uma perspectiva sustentável: qual é o impacto das minhas ações para o futuro? O que busco para o meu produto, fazer mais ou produzir o menor dano?
A economia circular está presente em diversas cadeias produtivas. É o caso da indústria brasileira do alumínio. Pouco mais da metade desse metal consumido no País, 55,4%, vem da reciclagem. Estamos muito acima da média mundial, 25,9%. O Brasil é também há mais de uma década o campeão mundial da reciclagem de latas de alumínio para bebidas, com índices acima de 96% de reaproveitamento. Ou seja, praticamente todas as latas que entram em circulação em nosso mercado, são recolhidas e reaproveitadas.
O Brasil é benchmarking para o mundo quando o assunto é alumínio. Chegamos a esse estágio baseados na qualidade intrínseca do metal – o alumínio é infinitamente reciclável – e porque a indústria investe continuamente na logística reversa do material e se orienta por padrões de produção sustentáveis.
O alumínio brasileiro tem uma pegada de carbono seis vezes menor do que a do alumínio da China, o maior produtor do metal no mundo. Essa nossa vantagem competitiva ainda não se traduz em preço. Ainda, porque o mundo se move na direção de produtos verdes. Clientes finais, especialmente os europeus, buscam a neutralidade nas emissões de carbono para os seus produtos. Para tanto, necessitam de fornecedores não poluidores.
Para dar uma resposta a essa tendência, a Bolsa de Londres, que determina o preço dos metais no mundo, já anunciou a intenção de criar uma plataforma de comercialização exclusiva para o chamado alumínio verde. O alumínio será o primeiro metal a ser cotado com base no seu impacto ambiental. Nesse campo, pelo menos, o futuro brasileiro não revela tons de cinzas.
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